Sem investimentos na área de direitos humanos é inviável a promoção do desenvolvimento local

Foto: Mídia Ninja/Reprodução.

Por Gláucio Gomes*

Duas semanas após o assassinato da Vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro, mais uma vez digo que é encantadora a comoção, a mobilização e o simbolismo que foi conferido à tragédia. Um momento em que uma parte significativa do país, que estava entorpecida e sendo agredida sem reação por segmentos mais conservadores, foi acordada, se expressou e começou a responder a altura à barbárie que vimos nos últimos anos.

Os direitos humanos voltaram à tona. E educar as pessoas comuns sobre o que são os direitos humanos, no cotidiano, ficou em voga. É excelente que isso esteja acontecendo.

Mas, permitam-me agora ser um pouco mais pragmático e focado no trabalho necessário para realmente colocar a proteção e a promoção dos direitos humanos na pauta da agenda pública. É preciso que haja uma sociedade civil organizada forte, ativa, proativa e capaz. Respeitada, estruturada, especializada e profissional. Financiada. Acolhida e apoiada por suas comunidades, pelo capital e pelas pessoas comuns.

Os poucos estudos que temos no Brasil sobre fluxos de financiamento e investimento social privado para iniciativas da sociedade civil mostram que, em média, menos de 10% dos recursos doados e investidos com objetivo filantrópico são para ações na área de direitos humanos. A esmagadora maioria dos recursos vai para ações bastante práticas e tangíveis nos campos de saúde e educação. Um outro grande bocado para iniciativas de educação e conservação ambiental.

Por fim, há significativa parcela de financiamento para iniciativas que contemplam projetos de geração de trabalho e renda, especialmente a partir do tópico da moda hoje: empreendedorismo. O conceito que, na filantropia brasileira, consegue mobilizar direita e esquerda, conservadores e progressistas: criar negócios salva vidas. Empreendedorismo divide espaço nesse rol com a velha, tradicional e ampla área de “capacitação profissional”, ou melhor, educação para o trabalho.

O que só reforça a proposta clássica de que “o melhor projeto social é um emprego”. Mesmo que seja subemprego, em situação precária, subremunerado e que não represente nenhum passo adiante para o desenvolvimento pessoal, intelectual e para mobilidade social positiva de pessoas em situação de vulnerabilidade. Nesse caso, o emprego se torna um mecanismo que imputa algum mérito que seja ao destinatário, para que evite o rótulo de caridade e garanta a subsistência, ao menos. Não se trata de desenvolvimento.

Mas, não é esse o meu ponto aqui.

Vimos na última semana essa avalanche de posts, memes, artigos, matérias, cartazes e discursos tentando mostrar o que é direitos humanos para uma sociedade que mostra não apenas não ter a menor ideia do que se trata o assunto, como que ouviu uma série de argumentos (falsos), mas sedutores, para justificar seu ódio. Argumentos que floresceram no vácuo de debates sobre argumentos reais em defesa dos direitos humanos.

Tantas organizações que trabalham com educação e advocacy pelos direitos humanos, hoje, até mesmo operando mecanismos em redes de proteção e responsabilização, dependem de recursos internacionais e de convênios governamentais – cada vez mais escassos.

Eu não discordo de nenhum investimento social ou de doações feitas para as áreas de atuação que mencionei acima. As pessoas, empresas e fundações são livres para alocar seus recursos de acordo com suas propostas de participação no desenvolvimento. Trata-se de liberdade incondicional em uma democracia o poder de escolha das pessoas e organizações sobre os assuntos e causas que os mobilizam.

Mas seria bom que empresários, empreendedores, formuladores de políticas públicas, gestores de fundos, fundações e outros canais de financiamento entendessem que só existe desenvolvimento humano, local, social ou qualquer outro adjetivo que queiram dar a desenvolvimento nesse país, nem mesmo combate à pobreza, miséria e violência, sem antes haver intenso trabalho de educação em direitos humanos e educação em cidadania.

Sem haver investimentos em estratégias político-pedagógicas que promovam a conscientização e a educação das pessoas sobre os direitos fundamentais e a necessidade de proteção social básica em um espírito de comunidade e de empatia, para a própria viabilidade do contrato social.

Empreendedorismo, educação técnica, sustentabilidade e geração de emprego, tudo isso, são assuntos de imensa importância, são urgentes e necessários. Muitas vezes, no entanto, são meios muito mais do que fins para o desenvolvimento. Sem que haja proteção social básica e garantia dos direitos humanos de todas as pessoas, não há ambiência liberdade que permita que as pessoas, individualmente, se desenvolvam, e menos ainda suas comunidades. Não há desenvolvimento possível sem justiça e sem liberdade.

Pouco vão adiantar grandes investimentos em empreendedorismo e geração de empregos em um país em que os direitos humanos e a garantia da igualdade e da justiça não sejam devidamente reconhecidos, defendidos e valorizados pelas pessoas no dia a dia. As tensões permanecerão e os efeitos das discrepâncias, das disputas e das distâncias entre as pessoas vão seguir latentes.

É urgente que canais privados de financiamento, de empresas, fundações e outras instituições comecem a priorizar e destinar investimentos e doações para iniciativas da sociedade civil de educação e promoção dos direitos humanos.
E há duas semanas vimos mais do que nunca por quê.

*Gláucio Gomes é Diretor de Desenvolvimento da Adel e especialista em Gestão do Desenvolvimento Local.

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