Reportagem sobre a Tecnologia Social (ADEL) no Jornal Diário do Nordeste

Filho de agricultores, economista criou agência de desenvolvimento local para agregar saberes populares e acadêmicos
 
Ele é o filho do meio de uma família de produtores rurais de Apuiarés. Numa comunidade de poucos recursos, ou você segue (literalmente) o caminho da roça ou, com muito esforço e sacrifício, consegue ir para Fortaleza e cursar a universidade. Vira doutor. E o interior passa a ser lugar de lembrança, no máximo de visita nas férias.

Mas Wagner Gomes contrariou o destino traçado pelo êxodo rural. Formado em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ele fez o caminho de volta e decidiu aplicar seus conhecimentos em prol do seu lugar no mundo. A saudade do sertão foi convertida em tecnologia social para o semiárido.

Foi assim que nasceu a Agência de Desenvolvimento Econômico Local. A missão da Adel é combater o êxodo rural por meio do desenvolvimento sustentável da comunidade. Com sede em Pentecoste, as ações da Adel abrangem os Municípios de Apuiarés, Itarema, General Sampaio, Paramoti e Tejuçuoca. Com apenas três anos de atuação, o trabalho da agência vem ganhando reconhecimento nacional e contribuído para potencializar saberes, vocações e oportunidades na Região Norte do Estado.

Em 2003, Wagner cursou o pré-vestibular comunitário do Programa de Educação em Células Cooperativas (Prece), que já levou mais de 400 filhos de agricultores para a universidade.

“No Prece eu aprendi que a cooperação é um valor essencial. E quando eu vi irmãos e amigos que optaram por continuar no campo, vi a necessidade não apenas de dar uma contrapartida por tudo que eu consegui, mas de poder voltar para a minha terra e me manter ali com qualidade, com um sentido”, pontua o diretor da Adel.

Foco no semiárido

Entre lições de macroeconomia, mercado financeiro e muito, muito cálculo, o universitário Wagner voltou o seu trabalho para a realidade do semiárido, suas questões e potencialidades. Reuniu profissionais de diversas áreas, publicitários, pedagogos, agrônomos, engenheiros, zootecnistas. Pessoas oriundas de comunidades rurais que pareciam destinadas a ter que se adaptar ao ritmo caótico da cidade grande.

A agência é voltada para desenvolver atividades em áreas como apicultura, caprinos e ovinos, horticultura e juventude, promovendo o empreendedorismo social e a orientação de agricultores com técnicas de produção adaptadas ao semiárido. Atualmente, atendem cerca de 600 agricultores da região.

Wagner explica que a tecnologia social que serve de base para a Adel foi desenvolvida em Portugal e Espanha, tendo sido aplicada em países como Moçambique e Guiné-Bissau. Mas o trabalho desenvolvido no sertão cearense inova por agregar diversos atores sociais no processo.

“As agências de desenvolvimento de Portugal e Espanha surgiram de uma iniciativa empresarial. A de Moçambique foi instalada por meio de instituições sociais. A diferença é que a Adel daqui é uma iniciativa de base, que parte da sociedade civil, não é uma coisa de cima para baixo”, esclarece.

Saberes locais

O financiamento das atividades é feito por instituições como Banco do Nordeste, Instituto Souza Cruz, BrazilFoundation e Fundação Konrad Adenauer. Comprometidos com a comunidade, as pessoas que trabalham na agência aliam conhecimento da região, capacidade técnica-científica e respeito pelos saberes locais. E são recebidos não com o peso do técnico, mas como os meninos e meninas que muitos viram crescer.

“Muitos produtores ainda têm uma certa resistência em relação a novas tecnologias. E quando o técnico é uma pessoa que eles conhecem, que nasceu ali e conhece a realidade, fica mais fácil introduzir essas técnicas. A gente fala a mesma língua e consegue colocar em prática o que aprendemos”. Apesar de vários convites para expandir a ação para outros Estados nordestinos, Wagner Gomes diz que, neste momento, o foco da agência é sistematizar a tecnologia social, a fim de que se possa replicar a metodologia em outros territórios do Nordeste.

RESULTADOS

Iniciativas da Adel ganham reconhecimento nacional

Ganhador de dois prêmios em 2010, Adel busca agora investir na sistematização e nos jovens produtores
 
As ações da Adel não têm feito diferença apenas nas comunidades onde atua, mas também ganhando visibilidade e reconhecimento por meio de premiações. Na última quinta-feira, o economista Wagner Gomes ganhou o Prêmio Folha Empreendedor Social de Futuro 2010, que visa reconhecer novos talentos sociais com atuação inovadora.

A cerimônia de premiação ocorreu no Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista. O economista, único finalista do Nordeste, receberá uma bolsa de estudos do curso de pós-graduação em gestão de projetos sociais e organizações do terceiro setor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

“O prêmio é um reconhecimento que mostra que estamos no caminho certo. Queremos agora sistematizar nosso trabalho a partir do curso a que teremos acesso. A verdade é que eu não esperava nem ser finalista, quanto mais ser agraciado, já que trabalhamos no interior do interior e optamos por uma trajetória diferente do ´normal´. Agradeci a nossos parceiros, colaboradores, as instituições financiadoras e todos aqueles que acreditaram que era possível promover desenvolvimento no sertão com sustentabilidade”, comentou Wagner, por telefone, depois da premiação.

Já em março deste ano, a Adel foi agraciada com o Prêmio Rosani Cunha, de Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). O prêmio foi entregue a 21 agraciados em três modalidades: práticas governamentais, da sociedade civil organizada e estudos acadêmicos.

O reconhecimento mostra a importância da Adel no provimento das comunidades com tecnologias para incrementar as atividades econômicas e aumentar a eficiência na gestão produtiva de pequenas e médias propriedades rurais, especialmente as que trabalham com a agricultura familiar.

Juventude

A iniciativa mais recente da Adel visa promover o empreendedorismo social entre os jovens que optaram permanecer no campo. O projeto Empreendedorismo do Jovem Rural é voltado para jovens entre 18 e 29 anos que concluíram o Ensino Médio. A iniciativa promove capacitação em áreas como história da agricultura familiar, práticas agrícolas, artesanato, turismo rural, gerenciamento de propriedade.

A metodologia é baseada na pedagogia da alternância, que valoriza os saberes populares de cada local. A primeira turma, com 35 jovens produtores rurais, foi iniciada em setembro e a capacitação deve durar 10 meses. Os alunos passam uma semana na sala de aula e duas semanas no campo.

MAIS INFORMAÇÕES

Adel
Av. Dep. Gomes da Silva, 281, Pentecoste/ Rua Juvenal Galeno, S/N, Fortaleza
Site: www.adel.org.br

Karoline Viana
Repórter
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=892368

[Matéria do jornal Diário do Nordeste no dia 28 de novembro de 2010]
Fonte original da matéria: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=892368

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