Nota Técnica sobre o PL 6299/02 que flexibiliza o uso de agrotóxicos

A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 9 de fevereiro, o Projeto de Lei 6299/02, original do Senado, que consiste no marco regulatório para o uso de agrotóxicos no Brasil. Mais especificamente, propõe, por meio de alterações na Lei nº 7.802, de 1989, modificar o sistema de registro de agrotóxicos, seus componentes e afins. Devido às mudanças aprovadas pelos Deputados, o PL 6299/02, volta agora ao Senado para nova votação.

O PL ficou rapidamente conhecido popularmente como Pacote do Veneno. O apelido faz todo sentido. De acordo com o texto do Projeto, e apesar de a Constituição Federal chamar esses produtos de “agrotóxicos”, o termo na Lei mudaria de agrotóxicos para “pesticidas“. A proposta também flexibiliza as regras de aprovação de “pesticidas” (que são, lembrem-se, agrotóxicos), permitindo o registro de produtos ainda mais tóxicos, como aqueles que causam câncer, problemas reprodutivos, distúrbios hormonais e para o nascimento. Além disso, o PL propõe acumular apenas no Ministério da Agricultura (Mapa) as diferentes decisões que tratam da liberação desses produtos – o que, explicitamente, passaria a reconhecer apenas os componentes de produtividade agrícola e de negócios do uso dessas substâncias, colocando em segundo plano seus aspectos humanos, sociais e ambientais.

Atualmente, a cadeia de aprovação de agrotóxicos envolve outros órgãos, como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que atuam de forma técnica na cadeia responsável pela avaliação da toxicidade das substâncias, considerando os aspectos para além daqueles relativos a negócios, especialmente para além apenas dos interesses de imensos negócios agrícolas e suas corporações.

Na Adel, acreditamos na potência que existe na agricultura familiar de base comunitária. A partir do desenvolvimento de capacidades dos produtores rurais para que possam qualificar e gerir suas atividades produtivas e de comercialização de modo que possam ganhar competitividade no mercado. Acreditamos em um modelo de agricultura sustentável, que considera os aspectos humanos, culturais, sociais e ambientais na organização das atividades produtivas, a partir de inovações que sejam compatíveis com as realidades dos agricultores familiares e que gerem novas práticas e tecnologias que confiram viabilidade e aumentem eficiência, produtividade e rentabilidade aos empreendimentos e estabelecimentos rurais. Acreditamos que há modelos de organização e gestão que tornam economicamente viável e com grande potencial de desenvolvimento negocial a agricultura familiar em nível comunitário, tais como a formação de cooperativas e outros arranjos produtivos locais alicerçados em vínculos de comunidade, colaboração e reciprocidade. Acreditamos, portanto, no agricultor, nas famílias e nas comunidades.

Advogamos pela construção de políticas públicas que promovam a inclusão socioprodutiva e um modelo democrático de desenvolvimento agrícola, sustentável em todos os aspectos, considerando as funções sociais e a necessária visão ecossistêmica sobre a biodiversidade brasileira. Advogamos, portanto, por justiça social e ambiental, refletida em avanços na legislação que coloquem o agricultor e a agricultora no centro das estratégias para o desenvolvimento rural.

Agricultores familiares são empreendedores resilientes por natureza, atuam em contextos extremamente hostis, lidando com desafios significativos para seguir sua produção e garantir sua subsistência. Para preservar seus modos de vida, para se manter em suas comunidades, com escassos investimentos, muitas vezes ignorados ou subrepresentados nos espaços de construção de políticas públicas. Praticamente invisíveis nas esferas que falam sobre como o agro é pop no Brasil, com suas tendências e novas soluções tecnológicas voltadas para modelos de grandes negócios. A agricultura familiar, hoje, é desconsiderada na visão de futuro sobre desenvolvimento rural e agrícola no Brasil.

Como está sendo desconsiderada nesse trâmite legislativo do PL do Veneno. Em que os debates, atenções e preocupações são orientados pelos interesses do agronegócio, de grandes corporações, a minimização de seus custos e maximização de sua lucratividade. Enquanto em todo o mundo, os negócios agrícolas, especialmente as grandes empresas atuantes, investem em pesquisa e desenvolvimento de soluções sustentáveis para que possam crescer considerando os impactos sistêmicos de suas operações, criando valor compartilhado, e precisam se adequar à legislação ambiental que busca proteger as pessoas e as comunidades, no Brasil, tenta-se criar aqui um canto no planeta onde é aceita e até estimulada a agricultura tóxica, poluidora e que deixa como legado doenças que devastam famílias de trabalhadores rurais e que também chegam aos consumidores dos produtos agrícolas (ou seja, a todos nós), desigualdade social no campo e um rastro de terras arrasadas.

A atenção e a preocupação da Adel, neste momento, estão voltadas às comunidades rurais e às famílias de agricultores.

Grandes empresas do agronegócio contam com recursos para arcar com a aquisição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para seus colaboradores, para implantar mecanismos de mitigação dos impactos em saúde para eles (todos limitados, que apenas reduzem exposição, mas não garantem segurança total em um ambiente onde se permite o uso agressivo de venenos), para comprar agrotóxicos que sejam menos agressivos talvez. Também contam com recursos para contar com os serviços das melhores firmas de advogados e lobistas do país, para arcar com os custos de milhares de processos e para pagar indenizações negociadas com as famílias afetadas com doenças e até a perda de entes queridos – famílias que não têm, geralmente, a menor condição de ter representação judicial justa, capaz de lutar por seus interesses.

Mas os agricultores familiares brasileiros, em sua imensa maioria, não contam com essas mesmas condições. Estão em desvantagem nesses processos e não há nenhum tipo de medida prevista ou mesmo discutida para compensar essa distância entre os segmentos no desenvolvimento agrícola brasileiro. Para que possam se manter minimamente competitivos, considerando as mudanças propostas no PL do Veneno, ficarão mais expostos a substâncias extremamente tóxicas. Letais para eles próprios, que não podem arcar com os custos e nem contam com os mesmos conhecimentos sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e outras práticas de segurança, e que precisarão comprar pesticidas mais agressivos e venenosos, porque serão autorizados a sua comercialização no mercado e terão preços mais baixos e acessíveis. E também danosos aos consumidores dos alimentos que produzem, para as famílias e comunidades que usam a água contaminada. E poderíamos seguir aqui desfiando os muitos outros impactos sistêmicos dessas substâncias tóxicas para absolutamente todo o meio ambiente – até chegar em você e seus familiares, por mais distantes que pareçam estar do front, onde essa guerra tem deixado suas primeiras vítimas.

A Adel, portanto, advoga e pede ao Senado Federal, que agora dará seguimento ao debate, por uma legislação que considere a necessária visão sistêmica sobre um modelo de desenvolvimento rural e agrícola sustentável e justo, que amplie seu olhar para além da perspectiva dos grandes negócios e dê visibilidade aos desafios de todos os atores das cadeias produtivas, especialmente para aqueles em situação de maior exposição, risco e vulnerabilidade. Que respeite e proteja a biodiversidade brasileira, sua fauna e sua flora, e que verse sobre a segurança da população, consumidora de produtos da agricultura nacional. Que projete um legado positivo para a agricultura no país, nas comunidades rurais e nas cidades, para a sociedade como um todo.

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